quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Somos negros  somos afro somos pessoas   como outra qualquer ,  se a pele faz a diferença do q vale a co do  sangue  negros , brancos ,gordos , magros, pequenos , grandes , heteros ,homo, bi   homen mulher   por dentro somos so carne ossos e sangue ...

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Racismo à Brasileira - Roberto Da Matta

Racismo à Brasileira - Roberto Da Matta

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Anais do Seminário Internacional
"MULRTICULTURALISMO E RACISMO: O PAPEL DA AÇAO AFIRMATIVA NOS
ESTADOS DEMOCRATICOS COMTEMPORANEOS"

Por Roberto Da Matta
NOTAS SOBRE O RACISMO À BRASILEIRA

Esta minha intervenção tem dois aspectos ou dimensões. De um lado, quero falar de fatos sociais concretos - alguns,aliás ,bem conhecidos do nosso racismo-, como sua manifestação implícita, disfarçada e de difícil discussão, como se, entre nós, brasileiros, falar de racismo fosse um tabu, de acordo com aquela tendência que Florestan Fernandes chamou, com propriedade,"o preconceito de ter preconceito". De outro, quero me concentrar nas inter-relações dos fatos sociais com os ideais políticos, alvo que - se bem entendo - move este encontro e tem suas dificuldade específicas, sobretudo quando se trata de um tema tão dramático quanto pungente, quando a justa vontade de erradicar o preconceito certamente embaça a discussão de suas características históricas e de sua organização sociológica ou cultural.
Para tanto,quero começar relembrando um episódio de diz respeito ao assunto .
Em 1968, quando estava em Cambridge , Massachusetts, realizando , na Universidade de Harvard, meu doutorado em antropologia social, fiquei sabendo da visita de um grupo de estudantes brasileiros. Eram lideres estudantis, convidados pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos, que realizavam um programa de visitas a centros culturais norte-americanos e , em Harvard, participavam de seminários e debates.
Carente de noticias do país e de contato com compatriotas - aquela época, é bom lembrar, não havia e-mail,nem fax,nem sedex, os estudantes não podiam viajar tanto quanto hoje - , fui ao local da reunião.
Lá, em um vasto salão harvardiano , dois negros americanos, se não me engano, ambos políticos locais e ligados ao chamado Movimento Negro que estava surgindo, disseram dissertavam sobre suas experiências aos jovens lideres estudantis brasileiros. Lembro-me bem de que o objetivo dos políticos americanos era compartilhar, a partir da grande experiência liberal americana1 ,as conquistas dos negros em relação ao establishment branco, mudando legislações e provocando, por meio de um ativismo pacifico, democrático e consistente, a integração política e judiciária dos Estados Unidos como nação e, no limite da esperança , como sociedade.
Ao término do discurso dos americanos, os estudantes brasileiros iniciaram uma série de perguntas-comentários provocadoras e um tanto impertinentes. Diziam, por exemplo, que as mudanças políticas mencionadas não eram efetivamente transformações de estrutura, que continuava fundada no mercado. Alegavam que a modificação aparente do quadro dos direitos das minorias não mudava o cerne do problema : a estrutura do capitalismo fundada na exploração do trabalho, continuava em vigor. Insinuavam, como era comum naquela década, que, para mudar as relações raciais, seria necessário primeiro modificar todo o "sistema"por meio de uma revolução .
Depois de cerca de trinta minutos de impasse ideológico, um dos palestrantes negros resolveu endurecer e disse mais ou menos o seguinte, olhando durante sua platéia de brasileiros:
Curioso que vocês cobrem tanto do nosso sistema. O fato é que estamos trabalhando com o que podemos para mudar as relações raciais por aqui. Vocês, que se dizem uma democracia racial, são muito piores, em termos práticos. Pois vejam só: no meio de mais ou menos oitenta estudantes brasileiros, eu vejo apenas sete ou oito negros. A grande maioria é branca. Onde está a tal "democracia racial" de vocês ?.Após a reunião, fui me encontrar com o grupo e logo descobri a perturbação dos brasileiros diante do seguinte problema: quem era o negro que os americanos haviam descoberto entre eles? Pois, como me disse um dos estudantes, com exceção de uma ou duas pessoas, não havia preto "entre eles"...
Essa historia tem o mérito de revelar o coração do problema, pois situa com dramaticidade um fato social básico: como as sociedades classificam suas eventuais variedades étnicas .
Pois, se falamos de relações raciais de uma perspectiva sociológica, é preciso distinguir de saída a miscigenação como fato empírico, isto é, como o resultado biológico do encontro sexual de brancos, negros e índios - para ficar na trilogia clássica da fábula racial brasileira -, do modo pelo qual cada sociedade trabalha esse resultado, reconhecido-o ou não como em fato social concreto. Como não há sistema valor, moralidade, mitologia ou sistema de classificação que seja "natural" ou mais próximo de uma natureza humana, pois todos são arbitrários, existe uma variedade intrigante nos modos de lidar com os mestiços.O que chama a atenção quando se compara a existência classificatória americana com a brasileira, é o fato de que, embora existam "mulatos" ou "mestiços", tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, na sociedade brasileira esses mestiços tem um reconhecimento cultural e ideológico explicito, quanto que, no caso americano, eles se submergem como "brancos" ou como "negros ". O resultado é que o sistema americano persegue a distinção e a compartimentalização dos tipos étnicos em grupos autocontidos,contrastantes, autônomos e socialmente coerentes, isto é, sem mistura. Lá o sistema tem repulsa pela ambigüidade, pelo mais ou menos e pelo meio-termo. Assim, ou se é "branco" ou se é "negro", "hispânico" , "judeu","italiano" ou "irlandês" etc. Já no Brasil, o sistema de classificação privilegia o meio-termo e a ambigüidade como valor, tendendo, em princípio, a funcionar com base na hierarquia e no gradualismo.
Dadas essas "escolhas" histórico-sociais, há exclusão , no caso dos Estados Unidos, exclusão que se exprime no princípio do "diferentes, mais iguais"; enquanto que , no Brasil, o sistema inclui hierarquiza de modo complementar, de acordo com o princípio do desigual ,mais justo". Com isso, o sistema brasileiro estabelece que, entre brancos e negros, há uma gradação complexa e mais: que todas as etnias de fato se complementam para a formação do "povo brasileiro", pois o que falta em uma, existe de sobra na outra, conforme tentei revelar alhures, em um ensaio no qual tento elucidar a nossa "fabula de três raças".2

Combate à violência contra a juventude negra e de redução da letalidade nas operações realizadas pelos profissionais de segurança pública e privada

menino negro bocaonews- Dados extraídos do Mapa da Violência 2011, Os Jovens do Brasil (Julio Jacobo Waiselfisz, mapa da violência) revelam que, no total da população, o número de vítimas de homicídios de cor ou raça branca diminuiu em 22,3%, entre 2002 e 2008. Entre os negros (pretos e pardos), o percentual de vítimas de homicídio cresceu em 20,2%, no mesmo período.
- Em 2002, foram vítimas de homicídios, proporcionalmente, 45,6% mais negros do que brancos. Em 2005, pelo mesmo motivo, morreram 80,7% mais negros que brancos e, em 2008, morreram 111,2% mais negros que brancos. O Estado do Paraná foi a única unidade da Federação em que houve mais homicídios contra brancos do que contra negros.
- Entre os jovens (de 15 a 25 anos), os números revelam que a vitimização negra é ainda mais intensa do que no total da população. Entre 2002 e 2008, os homicídios contra os jovens brancos caiu em 30%. Já entre os jovens negros, os homicídios cresceram em 13%. As taxas de homicídios contra brancos caíram de 39,3 (2002) para 30,2 (2008), enquanto as taxas de homicídios contra negros cresceram de 13,2%, no mesmo intervalo. Assim, em 2002, morreram, proporcionalmente, 58,8% mais negros do que brancos e, em 2008, esta proporção passou para 134,2%.
- Entre cem países que disponibilizam dados, o Brasil ocupa um constrangedor sexto lugar no índice de 52,9 homicídios entre cada grupo de 100 mil jovens. Dez anos antes, este índice era de 47,7. Com índices maiores do que o do Brasil, em 2008, há apenas El Salvador, Ilhas Virgens (EUA), Venezuela, Colômbia e Guatemala, nesta sequência. Na América Latina, Cuba ostenta o índice mais favorável, com 6,7.
- Em junho deste ano, o Conselho Nacional de Segurança Pública (CNSP), reconhecendo o crescente número de homicídios de jovens negros, "como resultado do racismo histórico a que a sociedade brasileira infligiu a este grupo étnico", editou a Recomendação 003, dirigida ao Ministério da Justiça, à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, à Secretaria Nacional de Juventude, à Secretaria Nacional de Direitos Humanos e à Secretaria de Políticas para as Mulheres.
- Algumas das observações então recomendadas pelo CNSP referem-se à necessidade de garantir o desenvolvimento de ações sociais e a liberdade de expressão da juventude negra residente em comunidades onde estão sendo implementadas políticas como a das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), do Rio de Janeiro.
- A Recomendação 003 deu prazo de 30 dias, para a instituição da agenda com soluções e definição de responsabilidades setoriais, no combate à violência contra a juventude negra e de redução da letalidade nas operações realizadas pelos profissionais de segurança pública e privada, desenvolvidas tradicionalmente nos territórios pobres e de maioria negra.
- Outras recomendações referem-se à necessidade de que a polícia desenvolva suas ações de maneira compatível com os princípios do Estado Democrático de Direito, primando pela preservação da vida e respeitando o devido processo legal. Referem-se também à necessidade de combater a impunidade dos homicídios de jovens negros, através do fortalecimento da Perícia Criminal, e à necessidade de realização de ações de combate ao racismo institucional no âmbito das instituições de segurança pública.
- A agenda conjunta com soluções e definição de responsabilidades, recomendada pelo CNSP, que deveria estar pronta até o dia 9 de julho, chegará tarde, porém.
- Antes das soluções, no dia 20 de junho, o menino Juan Moraes, de 11 anos, no território pobre e de maioria negra do Danon, em Nova Iguaçu (RJ), foi atingido mortalmente por balas de fuzil, que teriam sido disparadas por um policial militar, sargento, com o retrospecto de 13 mortes, secundado por outro policial, cabo, com retrospecto de oito mortes, chamadas na linguagem oficial de "auto de resistência".
- Na mesma operação, foi morto o jovem negro Igor de Souza, 17 anos, apontado pelos policiais como traficante, e baleados os jovens negros Wesley, de 14 anos, irmão de Juan Moraes, e Wanderson de Assis, de 19 anos. Em hesitante processo legal, a perícia criminal tornou-se objeto de inquérito, por confundir o corpo do menino com o de uma menina, e o delegado responsável exonerado.
- Recomendação CNSP 003, de 9 de junho, 11 dias antes da tragédia: profecia ou destino?